Neste clima de confusão total, está pronto o cenário para a “abolição do homem”. O engenheiro social dirá: 6z6n2x

“Esse Tao que, segundo parece, devemos tratar como algo absoluto é simplesmente um fenômeno como qualquer outro – o reflexo, na mentalidade dos nossos anteados, do ritmo de suas plantações, talvez mesmo de sua fisiologia. Já conhecemos em linhas gerais como essas coisas foram produzidas, em breve poderemos conhecê-las em detalhe, e por fim seremos capazes de produzi-las à vontade. É claro que, enquanto não sabíamos como se produziam as mentalidades, aceitamos esse aparato mental simplesmente como um dado, ou até mesmo como um mestre. Mas muitas coisas da natureza que foram nossos mestres acabaram se tornando nossos servos. Por que não a mente? Por que nossas conquistas sobre a natureza devem ser interrompidas, numa reverência descabida, ante esse pedaço persistente e derradeiro da ‘natureza’ que tem sido até aqui chamado de consciência humana? (...) Você nos diz que não nos restará nenhum valor se pisarmos fora do Tao. Muito bem: provavelmente descobriremos que podemos perfeitamente ir em frente sem valor nenhum. Consideremos todas as ideias de dever como um simples e útil método de sobrevivência: deixemos de lado tudo isso e comecemos a fazer o que bem quisermos. Decidamos por nós mesmos o que o homem deve ser e façamos com que se torne o que desejamos, não com base num valor ideal, mas porque queremos que assim seja. Tendo decidido as nossas circunstâncias, sejamos agora os nossos próprios mestres e escolhamos os nossos próprios destinos.”

O poder total do homem sobre a natureza, conquistado por meio da ciência, a pelo poder do homem sobre o próprio homem, “para fazer de si mesmo o que bem quiser” – e aqui chegamos à fala do personagem de Uma força medonha. Mas, como acontece na distopia, o que existe, no fim das contas, é apenas “um poder exercido por alguns homens sobre outros, com a Natureza como instrumento”: aqueles são os Manipuladores, que exercerão o domínio “mediante a eugenia, a manipulação pré-natal e uma educação e propaganda baseadas numa perfeita psicologia aplicada”. A natureza humana terá sido vencida, e no peito vazio das pessoas os Manipuladores colocarão o que bem quiserem. “Os objetos do condicionamento (...) não são homens em absoluto; são artefatos. A conquista final do homem mostrou-se a abolição do Homem.” E, em uma ironia cruel, os Manipuladores, pensando ter vencido a Natureza, estarão “sujeitos àquilo que neles mesmos é puramente ‘natural’ – aos seus impulsos irracionais. A Natureza, livre dos valores, controla os Manipuladores e, por meio deles, toda a humanidade”.

Profético? Sem dúvida. Ainda que hoje a sociedade pareça ter pulado direto do racionalismo cientificista para o sentimentalismo desregrado, continuamos sem o Peito; apenas trocamos o cérebro pelas vísceras como os senhores absolutos. Então, o perigo permanece. Temos saída? Temos: defender o Tao a qualquer custo. “Somente o Tao é capaz de prover uma lei de ação humana comum que possa abarcar legisladores e legislados igualmente. Uma crença dogmática em valores objetivos é necessária para a própria ideia de uma regra que não seja tirânica ou de uma obediência que não seja servil”, diz Lewis.

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E, rejeitando as acusações de que suas reflexões são um ataque à ciência, Lewis diz que “a cura poderia vir da própria ciência”, desde que ela desista de “subjugar a realidade aos desejos dos homens” e e a buscar o conhecimento como resposta ao “problema principal”, o de “conformar a alma à realidade”. “Quando explicasse algo, ela [a ciência] não aboliria esse algo. Quando tratasse as partes, não esqueceria do todo. (...) Os seus seguidores não usariam livremente os termos somente e meramente”, propõe, com uma paulada nada discreta no reducionismo que caracteriza nossos tempos. A questão final, que ele se coloca, é: os cientistas serão capazes de fazer isso? Ou a ciência, na sua própria essência, é uma atividade que necessariamente destrói seu objeto? Lewis não sabe a resposta; mas, neste segundo caso, ele sabe que esse processo precisará ser freado antes que mate a própria Razão.

Não é à toa que muita gente considere A abolição do homem o livro mais importante de Lewis, e me parece que sua leitura se tornou ainda mais urgente hoje do que era quando foi escrito, em meio à Segunda Guerra Mundial, pois o relativismo moral e o reducionismo científico avançaram tremendamente nessas oito décadas. Pará-los antes que vejamos essa plataforma causar “a destruição da sociedade que a aceitar” é um dos grandes desafios de nosso tempo – se não for o maior deles.

Coluna em férias; voltamos em maio 4h3r41

O colunista sai para algumas semanas de férias, e por isso não teremos Tubo de Ensaio por um mês; voltaremos em 25 de maio.