Além disso, as mensagens privadas foram obtidas de maneira ilegal, e a violação da intimidade fere não apenas o direito individual de qualquer cidadão, como também viola texto expresso da Constituição Federal. Outras irregularidades, aparentemente, envolvem o processo e deverão ser explicadas.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) não foi ouvida previamente à operação, e o Ministério Público deveria ter feito um parecer antes de um juiz de 1.ª instância decidir fazer busca e apreensão. Os empresários são cidadãos comuns, não possuem foro privilegiado, portanto, não deveriam ser investigados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Outro fator que causa estranheza no caso: o ministro Alexandre de Moraes é “suposta vítima”, o que deveria torná-lo impedido de relatar o caso ou de requerer diligências. No Brasil, ainda vale a premissa de que ninguém, por mais poderoso que seja, possa fazer justiça com as próprias mãos. Se você está emocionalmente envolvido, mesmo sendo ministro da mais alta corte, você deixa de reunir a imparcialidade e a independência que caracterizam o importante exercício da tutela jurisdicional.

Por suas aparentes violações à Constituição e autoritarismo, a decisão do ministro Alexandre de Moraes tem sido comparada nas redes sociais às medidas que o “Grande Irmão”, do livro “1984”, de George Orwell, tomava. O Grande Irmão é a autoridade suprema no livro, e se manifesta por meio de “teletelas” espalhadas tanto em lugares públicos como no interior das casas das pessoas. Como se fossem televisões, mas capazes de gravar e monitorar a população, para que todos estivessem sempre vigilantes e em estado de autocensura permanente.

Considerando que no livro “1984” as coisas são bem piores, com a devida proporção, é triste perceber que, longe de ser ficção, hoje uma pessoa no Brasil não sabe se o STF ou a Polícia Federal terá ou não o às suas conversas privadas, mesmo que elas não representem violência concreta ou grave ameaça. Em vez de resguardar a Constituição, será que um ministro do Supremo pode se tornar o principal fomentador da insegurança jurídica no país? Será que um ministro do Supremo pode agir contra alguns dos pilares da democracia brasileira, como é a livre expressão, o livre pensar e a livre associação, sem que representem violência concreta ou ameaça real?

Transmitindo ao público o editorial do Jornal da Band, o apresentador Eduardo Oinegue disse que só há duas hipóteses sobre o caso. “Primeira: os empresários são vigaristas, conspiradores, financiadores de um golpe de Estado. E, por esse motivo, e cheio de informações nas mãos, o ministro Alexandre de Moraes mandou a polícia para casa deles. [...] Se for isso, Alexandre de Moraes tem que vir a público o quanto antes para explicar qual é a base, quais são os fatos que sustentam essa decisão dele. Essa é uma alternativa. Porque se não for essa, a alternativa é muito pior: Alexandre de Moraes enlouqueceu. ou a achar que tem um poder quase divino sobre a vida das pessoas, e é por esse motivo que a gente não pode tratar o caso como outro qualquer. Há um lado lunático nessa história que a gente tem o direito de saber qual é”, disse ele.

Seja qual for a razão, o Brasil precisa saber a verdade. Depois dessas medidas, todos os brasileiros aram a ter menos liberdade e, por consequência, menos dignidade. Milhões de cidadãos já estão em autocensura permanente. Milhões de pessoas perderam a capacidade de acreditar em valores como privacidade, previsibilidade, legalidade, proporcionalidade, razoabilidade, não excessividade e devido processo legal.

Faltando menos de 35 dias para as eleições, certamente, o ministro Alexandre de Moraes não quis interferir na campanha eleitoral, mas sua decisão foi tão chocante e esdrúxula que pode acabar interferindo. É difícil dizer para qual lado será mais forte, mas teve impacto em praticamente todos os eleitores. A partir de agora, a percepção das pessoas é de que o Grande Irmão está vigiando tudo e a todos durante todo o tempo. Mesmo que sejam meros arroubos ou declarações infelizes, que não representam, direta ou indiretamente, violência concreta ou ameaça grave, você poderá ter sua vida devassada. Você não pode fugir. Não existe mais foro íntimo, todo foro ou a ser público. A qualquer momento, a polícia pode bater na sua porta. George Orwell era criativo, mas parece que o Brasil ainda consegue superar uma das mais famosas distopias da história. O que era uma simples ficção, tristemente, pode virar realidade.

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