Da mesma forma que os inimigos da esquerda não são mais os ricos, mas os cidadãos comuns, o alvo da esquerda não é mais o capitalismo: são os alicerces morais e culturais da sociedade
Coloquem, do outro lado, um jovem pobre da periferia, de família evangélica, que se sacrificou muito para que o filho completasse os estudos e não seguisse um caminho errado. Este jovem pega um ônibus lotado e leva horas para chegar no trabalho, mas encontra tempo para prestar serviço comunitário e ajudar quem realmente precisa – embora não tenha interesse em postar suas boas ações nas redes sociais, muito menos em se fazer de vítima.
Este jovem pratica o bem, em vez de investir na aparência da virtude. Mas ele não usa drogas, é contra o aborto e defende a igualdade de direitos e oportunidades, não a criação de privilégios compensatórios. Este jovem é rotulado como opressor e intolerante pela nova esquerda. Ele é do mal. Ele é de direita. Desnecessário, também, dizer em quem ele vota.
Nesta nova e estranha luta de classes, não são só os campos em conflito que mudaram: também o alvo a ser destruído agora é outro: não é mais o sistema de exploração econômica, obviamente, porque aí posar de virtuoso e justiceiro social vai perder a graça.
Da mesma forma que os inimigos da esquerda não são mais os ricos, mas os cidadãos comuns, o alvo da esquerda não é mais o capitalismo: são os alicerces morais e culturais da sociedade, os laços tradicionais entre as pessoas, os valores compartilhados sem os quais nenhuma nação pode prosperar.
A frase “Tudo que é sólido desmancha no ar” (atribuída a Marx, mas que na verdade é da peça “A tempestade”, de Shakespeare, que Marx apenas parafraseou) ganhou um novo sentido: a esquerda não está mais preocupada em demolir os fundamentos capitalistas da economia, com os quais fez as pazes, mas em profanar tudo que era sagrado, em destruir os fundamentos morais e espirituais do indivíduo.
Esse deslocamento da economia para a cultura como eixo e alicerce do projeto da esquerda não é novo, começou lá atrás: tem raízes em Gramsci e, mais recentemente, na contracultura dos anos 60. Mas parece claro que esse deslocamento vem se acelerando muito nos últimos anos. Voltarei ao tema.