“Não é uma coincidência que esta mudança de direção tenha ocorrido ao mesmo tempo em que a dependência de Moçambique se transferiu do bloco soviético para a Europa Ocidental e os Estados Unidos. A ‘comunidade’ de desenvolvimento internacional, desiludida com as antigas estratégias de modernização universalistas, orienta-se para o ‘desenvolvimento comunitário’, o ‘desenvolvimento sustentável’, a ‘participação’, o ‘empoderamento’, o ‘multiculturalismo’, a ‘diversidade’ e o ‘respeito à tradição local’, valores que têm emergido a partir dos conflitos raciais e étnicos em seus países de origem” (p. 78).

Expliquemo-nos: no período português, Moçambique era guiado pelo universalismo da Igreja Católica; mas, não conseguindo aculturar os africanos de uma vez, mantinha um indigenato no qual os usos e costumes eram respeitados provisoriamente. Depois, os comunistas, que eram cientificistas e ateus, tacharam de “obscurantistas” todo o mundo que não era ateu (ou seja, todo o mundo que não eles mesmos), perseguindo inclusive as tribos que viviam segundo usos e costumes tradicionais. Fazer do africano um católico ou transformá-lo no Novo Homem Socialista eram dois projetos que não conheciam barreira de raça; eram, portanto, projetos universalistas. Os comunistas, então, perseguiram ferrenhamente aqueles que os brasileiros chamariam de macumbeiros – coisa que a Igreja Católica não havia feito.

Mas aí entrou em cena o multiculturalismo plantado pelo establishment do Atlântico Norte. Com a "diversidade" de "saberes e conheceres", os comunistas moçambicanos de Thatcher se viram obrigados a mudar completamente o seu discurso para manter o poder.

Voltemos a Peter: “Estas ideias, evidentemente, concordam com a crença, cada vez mais difundida pelo neoliberalismo, de que as estruturas do Estado devem ser reduzidas para permitir a descentralização e o aumento da autonomia das ‘comunidades locais’. O novo foco na descentralização e na ‘tradição’, portanto, não é difícil de ser financiado” (p. 78). E aí Moçambique se encheu de antropólogos ongueiros que codificavam (nem sempre de maneira correta) as “tradições” e transformavam-na em normas. As lideranças tradicionais (chefes de tribos, curandeiros etc.) eram cooptadas com rios de dinheiro vindo de fora; e, em vez de dar medicina ocidental aos moçambicanos, os curandeiros é quem ganhavam o dinheiro – ainda que o curandeirismo tenha existido desde sempre, sem precisar de grandes somas.

Resultado de décadas de “desenvolvimento sustentável”

Depois de anos sendo tocado por essa moderníssima agenda, Moçambique não se tornou exatamente um lugar próspero e desenvolvido.

A trajetória de Peter Fry, que se tornou um dissidente dentro da Fundação Ford, sem nunca manifestar a crença em suas más intenções ou nas más intenções das potências ocidentais, torna ainda mais interessante o fato de que as coisas descritas por ele se encaixam na tese de Lorenzo Carrasco segundo a qual as oligarquias do primeiro mundo querem estabelecer um apartheid tecnológico, replicando mundo afora o colonialismo praticado na África. Além do livro Máfia Verde (ed. Capax Dei), recomendo os seus textos publicados nesta Gazeta, em especial este.

Mas voltemos à vaca fria, que são as igrejas caça-níquel. Tal como no Brasil, tais igrejas dispararam em Moçambique sob os auspícios do neoliberalismo; e, tal como no Brasil, elas o fizeram opondo-se à “macumba”, o que as colocou em choque com o neoesquerdismo multiculturalista patrocinado pelas elites.

O catolicismo é cético quanto à feitiçaria; por isso, ao contrário dos protestantes, não se deu ao trabalho de persegui-lo nos países que formou. As mandingas pagãs são vistas como coisa do populacho, não como coisa do demônio. Na Europa, o paganismo já havia perdido muita força quando apareceu o protestantismo. No Brasil e em Moçambique, porém, as novas denominações protestantes assumiram a forma da macumba, de modo que surgiu uma verdadeira “magia branca” cristã, que fica combatendo as mandingas tradicionais como "magia negra".

Para que um católico e um protestante histórico vão à igreja? Certamente não para pedir ao padre ou ao pastor que tragam de volta a pessoa amada, nem que curem doenças, nem que tragam dinheiro (mesmo que os puritanos apreciassem o dinheiro, eles não esperavam obtê-lo por milagres). Essas são as razões que sempre levaram os supersticiosos às cartomantes, feiticeiras e pais-de-santo; no entanto, são as razões que levam muitos brasileiros e moçambicanos ao pastor.

Em Moçambique, Peter Fry assistiu a uma cerimônia da Igreja Cristã Apostólica de Zion em que um pastor lia o Velho Testamento para sacrificar um bode a fim de que o fiel, um motorista de van, conseguisse engravidar a esposa. Para esses moçambicanos tratava-se, obviamente, de cristianismo e de coisa muito oposta à feitiçaria. Em sua investigação do porquê de trocar os cultos tradicionais por essa mandinga gospel, Peter apontou, em meio a uma série de explicações, o fato de o “cristianismo” demandar menos tempo e dinheiro do que o culto tradicional. Mas é bom frisarmos que demanda dinheiro mesmo assim, e que não é impossível descrever a atividade de pastor de igreja caça-níquel como um esquema de pirâmide.

Penso, portanto, que a expansão de um certo tipo de protestantismo – o das igrejas caça-níquel que prometem milagres – não tem nada a ver com a pauta de costumes, nem com a oposição ao “comunismo”. Em vez disso, é uma atividade econômica que viceja em sociedades sem perspectiva de crescimento. Nelas, há muita gente disposta a pagar por milagres financeiros e a entrar em esquemas de pirâmide, já que as chances de enriquecer pelo trabalho são exíguas. Assim entendemos também por que (no Brasil e em Moçambique) essas igrejas costumam ter mais apelo para os mais pobres.

A Venezuela de Maduro, bem como o Brasil e Moçambique “democráticos” têm, em comum, a desesperança econômica e o crescimento dessas igrejas predatórias.

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