Os assentados afirmam que, mesmo após denúncias feitas nas delegacias de Polícia Civil de Prado e Mucuri, na delegacia da Polícia Federal de Porto Seguro, no Ministério Público da Bahia e no Ministério Público Federal, até o momento ninguém foi responsabilizado pelos ataques.

Sobre o caso específico de Manoel e Antônia, a direção do MST na Bahia optou por não atender ao pedido de entrevista da reportagem e não respondeu às perguntas enviadas.

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Segundo o relato do casal, por volta das 20h30 quatro indivíduos armados com pistolas invadiram a casa, fizeram disparos e aram a agredir Manoel com chutes e socos. Os agressores alegavam que o idoso estaria ando informações para Valmir da Conceição Oliveira, que integra a diretoria da associação de produtores do assentamento e é um dos principais líderes na busca pela regularização das terras.

Em abril do ano ado, Valmir também foi expulso do assentamento. Ele e sua família foram brutalmente agredidos e, da mesma forma, tiveram sua casa vandalizada e seus bens furtados. Ele também fugiu para Teixeira de Freitas, onde está até hoje, deixando para trás a única forma de sustento da família que eram as atividades agropecuárias. Nomes de diversos líderes do MST constam no inquérito da Polícia Civil que apura o caso como suspeitos da agressão.

Ainda assustados, moradores do assentamento filmaram o cenário de destruição na manhã seguinte à ação criminosa. À Gazeta do Povo, assentados relataram que estão sob constante ameaça e temem ser alvo de novos ataques

Após o ataque, o casal de agricultores foi obrigado a ir embora de sua casa sob ameaças de morte caso retornassem. O pedido para que pudessem pegar seus documentos, o que inclui a carteira de vacinação, cartões do SUS e de benefícios sociais, não foi atendido. Os idosos andaram durante toda a madrugada em uma estrada de terra apenas com a roupa do corpo até encontrarem ajuda.

“Andamos a noite toda do assentamento até o [centro de] Prado. Quando víamos um carro, a gente entrava para dentro dos eucaliptos com medo de serem eles voltando para nos matar”, diz Antônia. “Foram horas de terror. Eles disseram que aquilo ali era para a gente aprender a respeitar o MST”, relata a idosa.

Manoel afirma que já tinha ouvido ameaças de pessoas ligadas ao movimento que, ao arem em frente à sua casa, diziam que iriam agredi-lo. “Mas a gente achava que não era sério. Estávamos lá há 15 anos e nunca tivemos problema com ninguém. O pessoal fala para darmos queixa, mas outras pessoas agredidas aqui do assentamento já fizeram isso e não teve resultado nenhum. Nem da polícia, nem de direitos humanos, nada”, afirma.

“O pouco que eu construí nesses anos eu perdi tudo. Não temos mais nada. Quem nunca ou por isso peça a Deus para nunca ar. Para quem não está acostumado, ouvir tiro ando do lado do seu ouvido deixa um trauma”, relata Manoel.

Os idosos alegam que são amigos de Valmir e que integram a associação, mas desconhecem qualquer informação que poderiam estar ando. Para Manoel, no entanto, o motivo por trás dos ataques é a oposição do movimento às tentativas de obtenção dos títulos de terras.

Entenda os embates sobre titulação de terras

Como nova política do Incra, nos últimos anos o volume de concessões de títulos aos assentados tem aumentado, o que garante aos produtores serem legalmente proprietários das terras. Atualmente, a maior parte dessas terras pode ser utilizada para fins agropecuários, mas não pertencem aos produtores.

O MST, que exerce grande influência em vários assentamentos de reforma agrária pelo Brasil, é contrário ao aumento das concessões de títulos. “Somos defensores de que o título de terras deve ser coletivo e não privado”, disse Alexandre Conceição, membro da direção nacional do movimento, à Gazeta do Povo em reportagem publicada no ano ado.

O motivo da resistência à obtenção dos títulos, segundo famílias de assentados, é que o MST teria benefícios enquanto as áreas estão sob seu domínio. Lucros com sublocação de terras a fazendeiros; exploração dos produtores por meio do “serviço coletivo” (que é obrigatório em vários assentamentos); e coação à participação em manifestações políticas e ocupações fariam parte desses benefícios apontados por fontes ouvidas pela reportagem.

A região do extremo sul da Bahia, local onde se multiplicam as denúncias de violência imputadas ao MST, é um local estratégico para o movimento. Lá residem líderes nacionais e regionais, como Evanildo Costa (cujo nome verdadeiro é Oronildo Loures Costa), diretor nacional do MST que pertence ao assentamento Jacy Rocha; e Lucinéia Duraes e Maristela Cunha, ambas diretoras do MST na Bahia.

A força política que o grupo exerce na região é bastante significativa. Tanto Evanildo quanto Lucinéia são assessores do deputado federal Valmir Assunção (PT), que é apontado por agricultores da região como ciente dos episódios de violência denunciados. O deputado é natural de Itamaraju, próximo a Prado e Mucuri, e frequentemente comparece à região para eventos do MST. Recentemente, o assentamento Jacy Rocha foi palco da exibição de um documentário sobre o guerrilheiro comunista Carlos Marighella e recebeu a presença do diretor do filme, Wagner Moura, além de outros atores pró-MST, como Bruno Gagliasso e José de Abreu. A prefeitura de Prado também é apontada pelos assentados como leniente quanto aos ataques. O prefeito, Gilvan Produções, é presença frequente em eventos do movimento.

<em>Em 2020, prefeito de Prado participou do bloco do MST no carnaval do município. Bastante próximo ao movimento, Gilvan também é apontado pelos produtores como ciente dos episódios de agressão (Reprodução Facebook Gilvan Produções).</em>

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Outro lado

A Gazeta do Povo contatou a diretoria regional do MST na Bahia, que não retornou às ligações e não respondeu mensagens com pedidos de entrevista.

A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar da Bahia (PM-BA) pedindo mais informações sobre o caso, mas não houve retorno até o fechamento desta matéria. Segundo relatos, moradores acionaram a corporação ao ouvirem os primeiros tiros na casa de Manoel e Antônia.

A Gazeta do Povo também questionou a prefeitura de Prado sobre como o órgão está acompanhando os casos de violência nos assentamentos. As perguntas não foram respondidas.