Vários argumentos contrários – desvio de finalidade, ausência de trânsito em julgado, quebra da impessoalidade ou moralidade – foram, em alguma medida, enfrentados no julgamento de 2018.
“Compete ao Presidente da República definir a concessão ou não do indulto, bem como seus requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade”, diz a ementa da decisão, que sintetiza o entendimento firmado, e que foi redigida por Alexandre de Moraes, relator da condenação de Silveira.
A ementa também diz que o Judiciário – no caso, o próprio STF – pode analisar a constitucionalidade do decreto, mas não seu mérito, “que deve ser entendido como juízo de conveniência e oportunidade do Presidente da República, que poderá, entre as hipóteses legais e moralmente issíveis, escolher aquela que entender como a melhor”.
Para muitos ministros, significa que o STF poderia tão somente derrubar um decreto que descumprisse uma regra expressa da Constituição, no caso, uma que proíbe o perdão de crimes hediondos, tortura, terrorismo e tráfico de drogas – esse, aliás, é o entendimento da ministra Rosa Weber, que foi sorteada para relatar as ações contra o decreto a favor de Silveira.
No julgamento do indulto de Temer, ela também disse que, no seu entendimento, o ato é político e não istrativo, o que, em tese, afastaria argumentos de que o decreto não atenderia aos princípios exigidos da istração pública (moralidade e impessoalidade).
Não foram só a surpresa e a dificuldade jurídica que levaram os ministros a recuar, mas também o desafio de orquestrar uma maioria interna para uma solução que derrube o decreto. Em primeiro lugar, os atuais cinco ministros que votaram a favor do indulto de Temer teriam de virar ou relativizar o entendimento que adotaram em 2018.
Além disso, a perspectiva é que Kassio Nunes Marques e André Mendonça votem por manter o decreto – o último estaria propenso a isso depois das críticas que recebeu de apoiadores do presidente por condenar Silveira. Uma decisão rápida do plenário, nesse momento, teria alto risco de manter o indulto, o que representaria uma derrota humilhante para o STF.
O melhor, avaliam vários ministros, é deixar um tempo ar para uma decisão que contemple todos os lados do entrevero entre os poderes.
Nesse sentido, o STF poderia abrir mão da condenação, e da pena de prisão e multa, mas desde que ficasse assentado que o TSE poderia declarar Silveira inelegível pela Lei da Ficha Limpa – sob o fundamento jurídico que o indulto só elimina a punição penal, mas não efeitos secundários da condenação, compreensão que já tem precedentes e foi adotado por Rosa Weber em 2018. Afinal, o principal interesse dos ministros é impedir que Silveira, apoiado por Bolsonaro, se lance candidato ao Senado e faça uma campanha com a bandeira de confrontar o STF, como já demonstrou inúmeras vezes em discursos e atos.
A expectativa é que essa solução acalme, em alguma medida, o Executivo, levando-se não só o fato de Bolsonaro ter feito do indulto uma questão de honra – nesta segunda, ele disse a agricultores, importante base de apoio, que o decreto “é constitucional e será cumprido” – como também informações de que generais e chefes do Centrão avalizaram a medida.
O Congresso, por sua vez, seria atendido na pretensão de dar a palavra final sobre a cassação do mandato de Silveira. Na semana ada, logo após a condenação do deputado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apresentou um recurso ao STF exigindo que a perda do mandato seja decidida em votação interna, e não decretada de forma automática, como indicou o voto de Alexandre de Moraes e seguido pela maioria dos ministros.
Essa espécie de “acordão”, no entanto, considerada ideal, ainda precisa ser alinhavada internamente e com os interlocutores dos demais poderes nos bastidores.
Outro fator que favorece a postura de dar um tempo para esfriar a crise é a postura de Rosa Weber, a relatora das ações contra o decreto. A ministra, que costuma ser reservada – nunca fala fora dos autos, se afasta de conchavos internos e é avessa às articulações políticas – deu, nesta segunda-feira (25), um prazo de dez dias para que o presidente Bolsonaro apresente explicações sobre a graça presidencial, sem conceder a liminar solicitada pelo autor da ação, a Rede Sustentabilidade, para a suspensão imediata do perdão.
“Requisitem-se informações ao presidente da República a serem prestadas no prazo de 10 dias. Após, dê-se vista ao advogado-geral da União e ao procurador-geral da República, sucessivamente, no prazo de 5 dias”, aponta o despacho da ministra.
Só depois de recebidos os pareceres, ela poderá então levar a questão diretamente ao plenário.
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O silêncio, por ora, também deve prevalecer no TSE, cujo presidente Edson Fachin não sinalizou qualquer disposição, nesta segunda-feira (25), de responder à nota da Defesa que considerou como “ofensa grave” e “irresponsável” uma declaração do ex-presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, deste domingo (24), segundo a qual as Forças Armadas foram “orientadas para atacar o processo e tentar desacreditá-lo”.
Uma primeira razão para não responder é que Barroso, apesar de ter sido o responsável por convidar as Forças Armadas para certificar a segurança do sistema de votação, não integra mais o TSE e que sua crítica foi direcionada a Bolsonaro, não aos militares em geral.
Fachin, por outro lado, tem tentado angariar apoio institucional de forma discreta e por meio do diálogo, de modo a respaldar a posição da Corte em caso de conflito com o Executivo.
Nesta segunda, por exemplo, numa reunião que estava marcada desde março, o ministro reuniu em seu gabinete representantes de todas as instituições que, assim como as Forças Armadas, foram chamadas para compor a Comissão de Transparência Eleitoral (CTE). Ele anunciou a aprovação de um Plano de Ação, que incorpora sugestões feitas pelos militares e por outras entidades para aprimorar a segurança e a confiança nas urnas eletrônicas.
No discurso inicial, deu boas-vindas para as senadoras Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Kátia Abreu (PP-TO) e a deputada Margarete Coelho (PP-AL), todas bastante influentes no Congresso, e que agora am a compor o grupo. Fachin fez um apelo para que todas as instituições colaborem não só para acompanhar de perto as medidas adotadas para melhorar o sistema, como também garantam apoio ao tribunal diante das críticas e desconfianças.
“O Tribunal Superior Eleitoral avança com os firmes em direção ao cumprimento da sua missão de diplomar as eleitas e eleitos das futuras eleições gerais não apenas porque fazemos bom uso de recursos tecnológicos. Antes, o nosso êxito e credibilidade têm raiz na crença que compartilhamos de que a democracia é inegociável, de que a Justiça Eleitoral é um patrimônio imaterial da sociedade brasileira e de que atacá-la equivale a atacar a própria democracia”, disse o ministro.