“Nos assustam as imagens de facções armadas circulando livremente pelas comunidades carentes do Rio, realizando treinamentos táticos com armas e com seus homens perfilados recebendo instruções típicas de grupamentos militares”, disse Rogério Greco, secretário de segurança pública de Minas Gerais e professor nas áreas de segurança e direito penal. Ele ilustra ainda com a paisagem constrangedora e recorrente de espaços cativos do crime cobertos por emaranhados de fiações irregulares, os chamados “gatos”.

Greco vê clara imposição das vontades de chefes criminosos a populações à revelia de qualquer controle legal, o que exige também combate em nível cultural. “Infelizmente, os fora-da-lei se valem do discurso de truculência policial para se proteger e expandir atividades”, afirmou. Ele teme que o país viva em breve situações de poder extremo do crime, como aconteceu com a cidade Medelín, na Colômbia, que no final dos anos de 1980 chegou a ser conhecida como a cidade mais perigosa do mundo por causa da luta entre cartéis de drogas.

Contra isso, o especialista defende o alinhamento de Judiciário, Executivo e Legislativo para fazer a ilegalidade recuar.

Enquanto isso, prosperam negócios à sombra do domínio de traficantes e de milicianos, como imobiliárias, corretoras de criptomoedas, patrocínio da formação de defensores do crime em faculdades e até clínicas de podologia. Greco lamenta que esse cenário esteja a indicar justamente o contrário do desejado, agravado pela inação e falta de planejamento do Ministério da Justiça e por medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que impedem os policiais de cumprirem a sua missão nesses locais.

“O ativismo judicial está tornando o Brasil menos seguro. Ao firmar suposto direito de criminosos de não serem perturbados nas suas atividades ilícitas, o STF condena comunidades inteiras a viverem sob o domínio de traficantes, e acaba se tornando, em última análise, o verdadeiro adversário do cidadão honesto e trabalhador, que paga impostos para que o Estado lhe assegure segurança pública em vez de expô-lo à violência”, observou o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS). Para o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o Rio está resgatando a leniência do Estado que levou ao fortalecimento do tráfico em comunidades nos anos 1980.

Os últimos acontecimentos violentos no Rio e o clima de terror instalado revelam o desconforto gerado pela presença dominante do crime na cidade, com liberdade de atuação até mesmo no interior de presídios. Diogo Costa, presidente do think tank Instituto Millenium, destacou o fato dos chefes de facções conseguirem realizar dentro da cadeia videoconferências com conexões de alta velocidade e carga de bateria garantida, para determinar a execução de outros criminosos. “Se organizações criminosas gozam dessa tranquilidade até mesmo dentro dos presídios, onde a força do Estado deveria se impor, as esperanças ficam mesmo muito baixas”, disse.

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À exemplo do terror, população é usada como escudo humano

Na avaliação do coronel da reserva Fernando Montenegro, ex-comandante das forças de ocupação do Complexo do Alemão e autor do livro "Kid Preto" (Ed. Ubook), os grupos armados que atuam em comunidades carentes do país têm características semelhantes aos de terroristas em territórios ocupados, que usam a população como escudo humano. “A sua violência local é extremamente organizada, não-estatal e difusa. Ela não se restringe às ações de força, abrangendo coerção e cooptação de pessoas, inclusive políticos e formadores de opinião”, explicou.

O medo a impede que a população denuncie os criminosos e assim o controle territorial se consolida como uma das características históricas e distintivas da dinâmica dos grupos armados no Rio de Janeiro. Montenegro acrescenta que tal realidade se tornou “variável incontornável não só para a segurança, mas também importante para políticas públicas como transporte, habitação, educação e cultura”.

O analista observou que o domínio do crime em áreas densamente povoadas e carentes ganhou elementos cada vez mais desafiadores para o Estado. Ele percebeu, ao longo dos anos um processo de “hibridização”, com as milícias incorporando a violência brutal do tráfico e, na mão inversa, os traficantes adotando práticas gerenciais para governança territorial ensinadas pelos milicianos. “Para completar, as organizações criminosas fazem guerra de narrativas e manipulam informações para obter vantagem”, disse.

O jornalista britânico Tom Wainwright, em seu livro Narconomics – Como Gerenciar um Cartel de Drogas (2016), faz uma comparação entre a sofisticação empresarial do narcotráfico internacional e grandes empresas multinacionais legais, como Wal-Mart, McDonald's e Coca-Cola. Ele sugere que as forças do mercado exercem uma influência muito mais poderosa do que as políticas governamentais, e propõe que as estratégias de combate ao comércio ilegal de drogas monitorem variações na oferta e na demanda.

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