A receita de Keynes ajudou a antecipar o fim da Depressão dos anos 1930, mas os alertas de Mises e Hayek se provaram proféticos nos anos 1970, quando o mundo estava eivado de países com déficits fiscais crônicos, dívidas públicas elevadas, emissões monetárias continuadas e inflação devastadora. Vale lembrar que o Brasil é organizado na forma federativa, com três entes autônomos: municípios, estados e União, sendo que estados e municípios não têm autorização para emitir moeda nem para lançar títulos da dívida pública, razão por que prefeitos e governadores pressionaram fortemente o governo federal pedindo ajuda para enfrentar os efeitos da pandemia.
No cenário político e econômico atual, surgiu novo debate entre os que condenam a emissão de moeda, por crerem que mais adiante a inflação e o empobrecimento aparecem, e os defensores da teoria conhecida pela sigla em inglês MMT, de modern monetary theory. Os adeptos dessa “teoria monetária moderna” afirmam que o governo federal não tem restrição financeira justamente por deter o direito de emitir moeda, e que tal emissão não causa necessariamente inflação. Essa corrente surgiu a partir da crise financeira mundial de 2008-2009, quando os bancos centrais, sobretudo o dos Estados Unidos, inundaram a economia de dinheiro e a inflação não veio. Os defensores da MMT alegam que o alto desemprego e a ociosidade na capacidade instalada permitem rápida reativação da produção capaz de atender o aumento da demanda derivado da expansão monetária; logo, a pressão sobre a oferta de bens e serviços neste caso não causa inflação.
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No fundo, a MMT é a teoria keynesiana com outra embalagem, cujos adeptos dizem que um ente com poder de emitir dinheiro não está sujeito às mesmas restrições impostas às pessoas, empresas, estados e municípios, e que a emissão monetária para pagar o gasto público deve estar condicionada apenas aos princípios da necessidade, eficiência, relação custo/benefício e duração temporária enquanto houver recessão, desemprego e ociosidade de capacidade instalada. A recessão atual em função da pandemia deve gerar, em 2020, queda do PIB de cerca de 6% em relação ao ano anterior; o desemprego deve atingir 18% da população economicamente ativa; e a ociosidade de capital físico nos setores produtivos segue extremamente alta.
Não sendo a economia uma ciência exata e não havendo certeza absoluta sobre os vários efeitos de uma política governamental, o governo cedeu ao apelo político e social, desistiu do equilíbrio fiscal, está executando um ousado conjunto de obras públicas, principalmente em rodovias e ferrovias, e cumpriu o pagamento de auxílio emergencial de R$ 600 mensais para 65,1 milhões de pessoas em razão de desemprego, pobreza e perda de renda. Qualquer que fosse o governante neste ano de 2020, a gravidade da pandemia e o risco de desespero e tensões sociais levariam ao mesmo comportamento, isto é, aumento do gasto público.
Tirando fora do debate as preferências políticas e partidárias, mesmo alguns economistas de oposição afirmam que a expansão da moeda circulante não cria inflação sempre e necessariamente, e que o efeito inflacionário somente ocorre se houver falta de bens e serviços, ou seja, desabastecimento diante da demanda aumentada. Assim, eventual emissão de dinheiro de forma descontrolada poderia, sim, promover a volta do processo inflacionário e todo o estrago que ele faz. Nesse sentido, o problema essencial a a ser como dosar e sincronizar no tempo a expansão monetária com o aumento do produto nacional. Esse debate é bom, necessário e útil para que a sociedade entenda pelo menos alguns aspectos do problema, principalmente para vigiar as contas do setor público quando a economia se recuperar. Os déficits públicos derivados de mais gastos não podem se eternizar, sob pena de o país voltar aos velhos e terríveis tempos da inflação crônica.