Menos de um ano após Evo Morales se exilar na Argentina, seu partido, o Movimento para o Socialismo (MAS), deve voltar ao poder na Bolívia. É que as pesquisas de boca de urna indicam que o afilhado político do ex-presidente, Luis Arce, deve sair vencedor do pleito realizado no último domingo (18).
Pelo fato de a Justiça eleitoral boliviana ter decidido que a apuração deveria ser feita voto a voto, sem contagem rápida, o resultado deve demorar ainda alguns dias para ser divulgado. O principal oponente de Arce na disputa, Carlos Mesa, entretanto, já reconheceu a derrota. O mesmo fez a presidente interina do país, Jeanine Añez: “parabenizo os vencedores e peço que governem tendo a Bolívia e a democracia em mente”, escreveu a política em seu Twitter.
“Vamos governar para todos os bolivianos, vamos construir um governo de unidade nacional, vamos construir a unidade de nosso país. Vamos reconduzir nosso processo de mudança, sem ódio, aprendendo e superando nossos erros”, afirmou Arce à imprensa, ao lado de seu vice, David Choquehuanca.
Diferentemente de seu mentor, que tem origem camponesa, o “pupilo” de Evo é economista, tem 57 anos, é natural de La Paz e filho de professores. Sua família, portanto, era de classe média. Arce tem três filhos e foi escolhido como candidato do MAS em janeiro, em cúpula partidária realizada em Buenos Aires. Luis Fernando Camacho, outro candidato no pleito deste ano, chegou a afirmar que “Luis Arce não é um candidato, mas um fantoche do ditador Evo Morales”.
O político é formado pela Universidade Mayor de San Andrés e fez mestrado no Reino Unido, na Universidade de Warwick. Arce foi ministro da Economia e Finanças de Evo entre janeiro de 2006 e junho de 2017 e entre janeiro de 2019 até novembro de 2019. O intervalo de 17 meses foi necessário para tratar de um câncer renal.
Ele também trabalhou por 18 anos no Banco Central boliviano e seu perfil costuma ser definido como “mais tecnocrata que político”, tendo dado início à “nacionalização” de diversas empresas bolivianas consideradas estratégicas e que haviam sido capitalizadas ou privatizadas por governos anteriores.
Os feitos de Arce enquanto ministro da Economia e Finanças da Bolívia dominaram boa parte de sua campanha eleitoral. Isso porque durante o governo de Evo Morales, segundo dados oficiais, o Produto Interno Bruto (PIB) do país foi de US$ 9,5 bilhões para US$ 40,8 bilhões. A pobreza teria caído de 60% para 37%.
Enquanto esteve no cargo, Arce também lançou mão de políticas de distribuição de renda, além de medidas com o objetivo de incentivar o mercado nacional. Em determinado momento de sua campanha, afirmou que “a economia não é um jogo”.
Carlos Mesa, principal oponente de Arce nas eleições, em contrapartida, disse que as conquistas econômicas de Arce durante o governo de Evo Morales ocorreram muito por conta dos altos preços das matérias-primas na Bolívia, que “nenhum governo jamais recebeu”. Segundo Mesa, os bons resultados dos socialistas não se deram “por mérito próprio”.
As eleições realizadas no domingo (18) foram o segundo pleito presidencial da Bolívia em um ano, já que os resultados das eleições gerais de outubro de 2019 foram contestados, dando início a uma crise política no país e culminando na renúncia de Evo Morales, que fora eleito para mais um mandato à frente do Executivo boliviano. Em dezembro do mesmo ano, logo após Alberto Fernández tomar posse como presidente da Argentina, Morales chegou ao país para se refugiar e lá ainda permanece.
A presidente interina do país é Jeanine Añez, que assumiu o cargo em 12 de novembro de 2019, quando, então segunda-vice-presidente do Senado do país, declarou-se chefe do Executivo em uma sessão legislativa sem quórum e sem a presença de representantes do MAS. Añez chegou a concorrer ao cargo nas eleições deste ano, mas renunciou à candidatura no dia 17 de setembro a fim de reduzir a fragmentação da oposição e, assim, diminuir as chances de vitória do MAS.
Diante da provável vitória de Arce nas eleições, Evo Morales afirmou, da Argentina, que sua volta à Bolívia é uma “questão de tempo”, que seu retorno “mais cedo ou mais tarde” vai ocorrer. Ele também defendeu um “pacto de reconciliação” entre partidos e as classes trabalhadora e empresarial no país de agora em diante.
“Não somos vingativos, não somos revanchistas, todos estão convidados a trabalhar. As eleições não acabam apenas no dia da votação, é [uma briga] todos os dias. O camarada Lucho [Luis Arce] com certeza vai implementar essa forma de trabalhar, de reunir, de ouvir, aprovar, recolher projetos, novas iniciativas de desenvolvimento económico e social”, disse Evo.
Além disso, o socialista falou que a volta do MAS ao poder demonstra que em 2019 “não houve fraude, mas sim um golpe de Estado”, referindo-se ao fato de a Organização dos Estados Americanos (OEA) ter declarado que o pleito do ano ado foi fraudulento e requisitado uma nova eleição. “Queriam nos banir, mas ressuscitamos”, completou o ex-presidente.