Mesmo empresas da nova economia estão optando por sair do Brasil. A Cabify, que operava serviços de mobilidade em oito cidades brasileiras, alegou a busca por maior rentabilidade e a preocupação com questões sanitárias e socioeconômicas para deixar de operar no Brasil a partir de 15 de junho.
Esses retratos mostram a queda do apetite dos estrangeiros pelo Brasil. Desde 2017, pelo menos 21 multinacionais (veja lista ao fim da reportagem) anunciaram a saída do país ou promoveram fortes reestruturações em seus negócios.
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Segundo o dado mais recente, relativo a março, o saldo do investimento direto no país (IDP) – indicador apurado pelo Banco Central que mede a quantidade de recursos estrangeiros aplicados no setor produtivo – acumulado em 12 meses equivale a 2,73% do PIB nacional, patamar similar ao verificado em 2010.
Em dezembro de 2018, esse indicador estava em 4,08% do PIB, segundo o BC. Subiu para 4,15% do PIB em maio de 2019, mas ou a cair na sequência, encerrando aquele ano em 3,68% do PIB.
O movimento de retração ficou ainda mais forte em 2020, sob forte impacto da pandemia, que reduziu o fluxo de investimentos em nível global. De acordo com estimativa da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o investimento estrangeiro no mundo todo caiu 42% no ano ado.
No Brasil, segundo os dados do BC, o tombo foi um pouco mais forte: o investimento estrangeiro no setor produtivo encolheu 51% em 2020, para US$ 34,2 bilhões, o equivalente a 2,37% do PIB. Foi o menor valor desde 2009, ano dos principais impactos da crise do subprime.
As estatísticas do BC mostram que o investimento estrangeiro no Brasil começou a perder força meses antes da pandemia. Mas, mesmo com ela, o país tinha – em tese – um cenário favorável à entrada desses recursos, que poderia ter contido as perdas. Segundo Mauro Rochlin, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil tem um amplo mercado consumidor, com mais de 210 milhões de pessoas; uma indústria ainda relevante entre os países emergentes; estabilidade nas contas externas; valorização das commodities; e um real muito desvalorizado, que torna o país muito barato para a entrada de capitais estrangeiros.
Outro termômetro que revela a queda do interesse pelo Brasil está nas fusões e aquisições de empresas. Foram 225 operações com a participação de estrangeiros em 2020, queda de 23% em relação ao ano anterior, segundo a PwC. O número de transações é o menor desde 2010. E, desde o início da série histórica, em 2002, a participação externa no número de negócios nunca foi tão pequena: 22,3% do total.
Segundo Mikail Ojevan, especialista da consultoria, em tempos de instabilidade os investidores preferem navegar em mares que conhecem melhor. Isto explicaria a forte presença do capital nacional nas operações de fusões e aquisições.
“O Brasil tem um sério problema de competitividade. O custo Brasil é elevado e a produtividade é baixa”, destaca Victor Scalet, estrategista macro da XP Investimentos.
Ainda que a pandemia tenha afetado o mundo todo, há indícios de que o interesse de investir no Brasil diminuiu muito em relação a outros países. Estudo feito pela consultoria internacional Kearney mostra que o país vem perdendo relevância entre as economias mais importantes. Em 2015, o país ocupava o sexto lugar nas perspectivas de investimento direto estrangeiro em um horizonte de três anos. No ranking de 2021, caiu para a 24.ª posição. Outras duas economias emergentes estão em melhor situação: a China (12.ª posição) e os Emirados Árabes Unidos (22.ª).
A consultoria aponta que o humor em relação ao Brasil piorou por deterioração na economia, no ambiente de governança e pelas dificuldades no combate à Covid-19.
"O Brasil caiu em função da deterioração na economia doméstica e do ambiente de governança. Durante a pesquisa, o país iniciou a campanha de vacinação, que se mostrou lenta. O governo foi acusado de falhar na distribuição de vacinas enquanto negligenciava as ameaças causadas pelo vírus. Também surgiu uma cepa mais letal e mais contagiosa no país. Descontentamentos populares levaram a protestos antigovernamentais em algumas das maiores cidades, incluindo Rio e São Paulo", aponta o relatório do estudo.
As incertezas em relação à economia brasileira estão em alta. O risco-país, medido pelo CDS – Credit Default Swaps, título usado como uma espécie de seguro contra inadimplência –, que antes da pandemia estava em 92,92 pontos, quase dobrou de lá para cá. Nesta quinta-feira (20), estava próximo de 178 pontos.
Situação parecida mostra o indicador de incerteza da economia, calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele encerrou abril em 129,4 pontos, 12,4% a mais que antes da pandemia.
“As empresas estão olhando para a frente e não veem sinais de estabilidade no longo prazo. Saímos de duas recessões profundas e de uma fase de estagnação nos últimos anos. E as expectativas de crescimento futuro são baixas”, explica o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
Uma das razões é a maior vulnerabilidade macroeconômica, que leva em conta o crescimento da economia, a inflação e a dívida pública. Segundo a consultoria, em 2020, entre os países emergentes, o Brasil estava na terceira pior posição, à frente apenas da África do Sul e da Argentina.
A frequente mudança nas regras também contribui para ampliar as incertezas em relação à economia brasileira. “É como se estivéssemos num jogo de basquete com o jogador no garrafão, daí o juiz apita, decide que é um jogo de futebol e diz que é pênalti”, diz Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos.
A questão fiscal também preocupa e tem impactos sobre a taxa de juro no longo prazo. Em abril, a relação entre a dívida pública e o PIB fechou em 89,3%, segundo o BC. O Bradesco projeta que esse indicador encerrará o ano em 89,7%. Mas há economistas, como Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC, que avaliam que essa proporção pode superar os 100% até o fim do ano.
Outra preocupação fiscal é com o resultado primário, a diferença entre a receita e a despesa do governo, desconsiderados os juros. O setor público tem déficit primário desde 2014, e projeções indicam que essa situação pode persistir até perto do fim da década. Depois de um recorde de -9,4% do PIB, em decorrência das medidas tomadas no combate à pandemia, no ano ado, o ponto médio (mediana) das previsões coletadas pelo Banco Central sinalizam para um resultado de -3,1% do PIB, caindo para -0,8%, em 2024.
“A situação para os países da América Latina não é das melhores. Eles enfrentam dificuldades estruturais e isto não traz um prognóstico favorável para o futuro. Acaba acentuando a volatilidade”, diz Vale. “Não bastasse isso, no caso do Brasil houve turbulências políticas e econômicas nos últimos anos”.
Rochlin, da FGV, lembra que a falta de dinamismo da economia brasileira é anterior à pandemia. “Não estávamos crescendo bem e nada faz acreditar que teremos um crescimento robusto daqui para a frente”, avalia. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que nos últimos dez anos a economia brasileira cresceu em torno de 0,3% ao ano. A média mundial foi nove vezes maior.
“Temos baixas taxas de investimento e de poupança, que impedem um crescimento sustentado de 3% ao ano”, complementa Vale.
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O economista-chefe da MB Associados diz que o Brasil mostra sinais contraditórios: enquanto os segmentos de commodities agrícolas e minerais mostram vigor, com forte crescimento, o restante da economia não vai bem. Segundo ele, essa situação leva a uma concentração setorial no Brasil.
Esse cenário, diz Vale, favorece empresas que tenham maior conhecimento da realidade brasileira. E também beneficia aquelas com maior fluxo de caixa, em detrimento das empresas de menor porte. “Isso acaba causando uma concentração maior de mercado, levando à oligopolização”, diz o economista.
Outro problema afeta a análise de perspectivas por parte das empresas: o empobrecimento da população. Segundo a FGV Social, desde agosto de 2020, pico dos pagamentos do auxílio emergencial, aproximadamente 32 milhões de pessoas saíram da classe C (com renda mensal de R$ 1.926 a R$ 8.303) em direção às classes D (de R$ 1.205 a R$ 1.926) e E (até R$ 1.205).
“Economia pobre, baixas perspectivas”, sintetiza o economista-chefe da MB Associados.
Esta é a primeira reportagem da série aporte Carimbado, que mostra os motivos para a saída ou reestruturação de multinacionais do Brasil nos últimos anos.