O consumo das famílias desapontou no primeiro trimestre. “Dada a recuperação do emprego, os impulsos fiscais via o programa Bolsa Família e o reaquecimento da massa real de salários, o crescimento trimestral do consumo foi decepcionante”, destaca o economista-chefe do banco Fibra, Marco Maciel. 2h1q3v
Um fator que pressiona negativamente é a inadimplência, que sobe sem tréguas desde o início do ano, conforme os cálculos da Serasa Experian. Em abril, 71,4 milhões de pessoas tinham restrições ao crédito, ou 43,8% da população adulta brasileira. É o maior número da série histórica iniciada em março de 2016.
As dívidas com bancos e financeiras estão em alta. Segundo a Serasa, elas correspondiam a 46,7% do total em abril, ante 40,5% um ano antes.
As famílias também estão com mais compromissos financeiros. Pesquisa feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) aponta que, em abril, 78,3% das famílias tinham dívidas a vencer (cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal e/ou prestação de carro e de casa).
A expectativa da entidade é de que a situação piore nos próximos meses. “O risco de inadimplência se acirrou na classe média”, diz a economista Izis Ferreira. Ela aponta que quem tem dívidas atrasadas há mais tempo segue enfrentando dificuldade de sair da inadimplência em razão dos juros altos, que elevam as despesas financeiras.
O investimento teve uma queda de 3,4% no primeiro trimestre, o pior começo de ano desde 2009 para o indicador. Segundo a economista-chefe do banco Inter, Rafaela Vitória, a retração, assim como a do consumo das famílias, foi influenciada pelas taxas de juros mais restritivas.
Maciel, do Fibra, faz uma relação entre as fortes quedas do investimento e das importações, que recuaram 7,1%: a utilização de componentes estrangeiros nas máquinas e equipamentos produzidos no Brasil é muito elevada, o que faz com que parte da forte queda das importações esteja associada ao encolhimento no investimento produtivo.
Outro fator que pesa na retração do investimento é a situação financeira das empresas. Segundo os economistas da XP, Alexandre Maluf e Rodolfo Margato, elas estão mais endividadas. A situação financeira delas também piorou no último ano.
Um estudo feito pela TC Economática a partir da performance de 312 empresas brasileiras aponta que a receita operacional líquida nominal (não incluída a inflação) teve um crescimento de 4,51% no comparativo entre os primeiros trimestres de 2022 e 2023. Enquanto isso, o resultado operacional ou geração de caixa, medido pelo Ebitda, caiu 4,19%.
O lucro líquido caiu ainda mais: 37%. E 31% das empresas fecharam o primeiro trimestre no vermelho, com prejuízo.
A retração no investimento desperta preocupações entre os economistas, já que é um elemento essencial para impulsionar o crescimento econômico sustentável.
A taxa de investimento caiu do equivalente a 18,9% do PIB no último trimestre de 2022 para 17,7% nos três primeiros meses deste ano. É o menor índice dos últimos nove trimestres.
Essa retração, de acordo com a economista-chefe do Inter, reflete o arrefecimento dos setores ligados a commodities, bem como o impacto dos juros sobre a construção.
Os primeiros números do segundo trimestre mostram que esse comportamento continua. A produção física de bens de capital caiu 8,3% no primeiro quadrimestre de 2023, em relação ao ano anterior.
“Esses números refletem o aperto da política monetária, a menor lucratividade das empresas e a queda pronunciada na produção de caminhões”, diz Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos.
Mas não são só os bens de capital que estão sendo afetados pelo cenário adverso. A situação também se repete entre os bens de consumo durável. Apesar de ainda registrarem um crescimento de 5,8% no comparativo entre os primeiros quadrimestres de 2022 e 2023, a trajetória é de queda.
Em abril, a produção física encolheu 6,9% em comparação a março e de 2,6% na base trimestral. “Crédito mais caro e elevado grau de endividamento vem impactando tal atividade”, afirma Margato.
As projeções são de desaceleração do crescimento do PIB nos próximos trimestres. Os economistas Natália Cotarelli e Matheus Fuck, do Itaú, veem uma perda de fôlego nos próximos trimestres, com crescimento ligeiramente positivo na economia.
“A retração da absorção doméstica no primeiro trimestre reforça essa visão. Afinal o forte crescimento do PIB no primeiro trimestre foi, em grande parte, impulsionado por setores menos sensíveis ao ciclo econômico”, complementam os economistas da XP, em referência à agropecuária e a indústria extrativa, que cresceu 2,3% no início do ano.
Para Maciel, do banco Fibra, a expectativa é de que os bons resultados da safra tenham reflexos até julho, contribuindo para manter o PIB robusto no segundo trimestre e para a desaceleração da inflação de alimentos no domicílio.
Os investimentos deverão continuar tendo um ritmo fraco, devido à manutenção dos juros em níveis elevados. Para o consumo, as expectativas são de crescimento frágil. “As despesas pessoais com bens e serviços devem continuar em arrefecimento nos próximos meses”, dizem os economistas da XP Investimentos.
Por um lado, há o mercado de trabalho mais resiliente e a renda real sendo beneficiada pela queda na inflação. Por outro, há a pressão causada pelos juros e pelas condições deterioradas dos orçamentos domésticos.
Vitória aponta que a queda da inflação e o esperado início do ciclo de cortes na taxa básica de juros (Selic) no segundo semestre podem resultar em uma recuperação do crescimento a partir do fim do ano.
“Mas ainda devemos ver baixo crescimento até 2024”, diz a economista. Em sentido oposto às perspectivas para 2023, a mediana das projeções para o PIB de 2024 recuou de 1,4%, um mês atrás, para 1,28% no boletim Focus mais recente.