Além de permitir que um mesmo bem seja usado como garantia em várias operações de crédito, a nova legislação também vai dar mais poder de barganha aos consumidores na hora de escolher qual banco ou financeira vão pedir uma concessão de crédito. O projeto de lei cria a chamada Instituição Gestora de Garantias (IGG), que vai gerir as frações do valor do bem para as diferentes instituições e ainda apresentar quais as taxas de juros cobradas em cada uma delas.

“Com a introdução das IGG no mercado brasileiro, será possível separar, em instituições distintas, as atividades de gestão das garantias e as atividades de concessão de crédito: a gestão da garantia ficará a cargo da IGG, enquanto o credor poderá ficar responsável apenas pela concessão do crédito. Assim, cada instituição pode se especializar, permitindo maior eficiência e imparcialidade na sua atuação”, disse o Ministério da Economia em dezembro.

Assim, a nova legislação vai permitir a entrada no mercado de bancos menores – ou fintechs – no mercado de crédito garantido. Segundo o ministério, a competição com as grandes instituições financeiras vai forçar uma redução nas taxas de juros.

Fiorotto compartilha da expectativa de que os juros cobrados podem diminuir tanto com a entrada dessas instituições menores como do próprio aumento das garantias usadas nas operações. “As fintechs, que têm capital muito menor, vão estar muito mais confortáveis em expandir o crédito [com a maior quantidade de garantias dadas]”, diz.

Em um exemplo dado pelo Ministério da Economia, se um carro avaliado em R$ 60 mil for recebido por uma IGG por alienação fiduciária e o tomador contrair um crédito de R$ 30 mil com o Banco A, restará a ele mais R$ 30 mil para contrair novas operações de crédito. Contudo, após o pagamento de R$ 10 mil da dívida existente, ele poderá contrair novo empréstimo de não apenas R$ 30 mil, e sim de R$ 40 mil.

A nova legislação também vai provocar uma redução nos custos de avaliação de um bem dado como garantia, que será feita apenas uma vez pela IGG antes de ser apresentada às diferentes instituições financeiras. “Isso tem o potencial de diminuir o custo para o tomador e facilitar a verificação da operação mais vantajosa a ser escolhida por ele”, diz a nota do ministério.

O projeto de lei também permite que o consumidor dê espontaneamente o seu único imóvel como garantia, o chamado “bem de família” urbano ou rural (geralmente as pequenas propriedades rurais), o que é vedado pela atual legislação. Esse é um ponto que gerou discussões durante a tramitação e pode não ar em uma eventual redação final. “No geral, o Novo Marco Legal das Garantias continuará sendo extremamente positivo mesmo sem essa previsão”, diz Fiorotto.

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Nova legislação facilita execução extrajudicial

Há, ainda, outras vantagens trazidas pela nova legislação, como uma melhor execução extrajudicial da alienação fiduciária (quando se dá o bem como garantia), sem os custos e a burocracia de uma execução judicial.

Com a nova legislação, os credores podem acionar os cartórios diretamente, sem necessariamente ar pela Justiça. Atualmente, para se fazer uma execução, a Justiça precisa mandar um oficial à casa do devedor para entregar uma intimação, o que nem sempre se consegue cumprir, gerando custos e, posteriormente, ações protelatórias que arrastam o processo por anos.

O projeto de lei também incentiva o uso da hipoteca nos mesmos termos da alienação fiduciária, mas tendo o próprio imóvel como garantia de mais de um financiamento. O Ministério da Economia da gestão anterior entendia que havia potencial nessa modalidade de crédito, que hoje representa apenas 10% dos contratos de imóveis alienados.

E, entre outras medidas, permite que mais instituições financeiras em a oferecer operações de penhor civil, que atualmente é monopólio da Caixa Econômica Federal e oferecido em apenas algumas agências – só 5% dos municípios brasileiros, onde mora metade da população, são atendidos hoje, segundo o ministério. Com isso, se espera um aumento da concorrência com menores taxas e uma maior variedade de bens penhoráveis.

Professor alerta para risco de superendividamento

Embora veja com bons olhos o Novo Marco Legal das Garantias, Rodolfo Olivo, da FIA, sente falta de um mecanismo ou critério para evitar que as facilidades previstas no projeto de lei provoquem um descontrole nas finanças das famílias. Levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC) apontou que 78,9% dos brasileiros estavam endividados em novembro de 2022, sendo 30,3% deles com contas em atraso e 10,9% sem condições de pagar. O professor acredita que o governo deveria investir também em educação financeira para conscientizar a população sobre o uso consciente do crédito.

“Se você aumenta a quantidade de crédito disponível, naturalmente aumenta o endividamento das pessoas. O problema é o superendividamento, que é uma questão pessoal. Mas vejo que, com as taxas de juros menores e a possibilidade de mais garantias, os empréstimos também serão mais baratos se comparados aos de hoje, evitando que as pessoas contraiam dívidas muito altas”, diz Fiorotto, da Aneps.