Por que o preço da carne subiu tanto no Brasil?
A pecuária de corte brasileira funciona tradicionalmente de forma cíclica: há um aumento dos abates das matrizes do rebanho quando os preços estão elevados. Como consequência, a oferta sobe e os preços caem. Em seguida vem um novo gargalo na oferta, porque menos matrizes geram menos bezerros para renovar o plantel. E assim, retoma-se o ciclo. “Preço sobe, investe, aumenta a produção. Preço cai, desinveste, cai a produção”, explica Lygia Pimentel. São ciclos que levam pelo menos o tempo de vida de um boi, ou seja, cerca de 3,5 anos.
Dessa forma, para entender o cenário atual de preços e oferta no Brasil, é preciso olhar para alguns anos trás. Segundo a analista da Agrifatto estamos vivendo ainda hoje as consequências da Operação Carne Fraca, em 2017, e do Joesley Day (como ficou conhecido na Bolsa de Valores o dia em que se divulgou uma conversa comprometedora entre Joesley Batista, da JBS, e o então presidente Michel Temer). Os dois escândalos aconteceram num momento de baixa do boi, quando havia alta de oferta.
“A crise levou a um desinvestimento, ao abate de fêmeas. Em 2020 e 2021 nós vivemos um reflexo daquele desestímulo”, observa Pimentel. Conforme o ciclo pecuário, a fase de 2020-21 seria consequentemente de menor oferta, com preços elevados para estimular o pecuarista a produzir mais. Mas nessa mesma época, a China veio às compras no Brasil com mais apetite, por causa dos estragos da peste suína africana. Assim, somados os dois fatores e o cenário internacional de inflação, os preços dispararam. “O mercado veio buscar no Brasil, mas não tinha oferta, não tinha gado para ser abatido. O abate foi o mais baixo desde 2003”, relata Pimentel.
O mercado chinês não é considerado "prime" para a carne, está num nível intermediário, mas com exigências específicas conhecidas como "boi-China". O animal tem que ser mais jovem, no máximo 3 anos, e precisa ar por confinamento de 90 a 120 dias antes do abate. Do ponto de vista de aproveitamento da carcaça, a preferência dos chineses é complementar ao gosto brasileiro: eles apreciam carnes dianteiras (cupim, acém, paleta e peito), enquanto no Brasil fazem mais sucesso os cortes traseiros, como picanha, contra filé, fraldinha e coxões.
Atualmente, o preço médio do quilo da carne vendida para a China está em R$ 52,32, uma alta de 23% em relação aos preços praticados em setembro de 2021. "Neste ano, quase 67% do que exportamos até agora, em faturamento, foi para a China. A chance de queda de exportações para China é muito pequena porque o chinês mais jovem tem preferido a carne bovina, enquanto a carne suína está ligada aos mais velhos, à questão do costume", aponta Jessica Olivier, analista de mercado da Scot Consultoria, de Bebedouro (SP).
A boa notícia é de que o ciclo da carne bovina está entrando num momento de alta de oferta e recuo de preços. “O preço do boi está caindo. O varejo vai manter o preço para recompor suas margens, mas não vai mais subir. Até porque a oferta não vai deixar. Já estamos vendo um aumento da oferta de animais abatidos. E depois que o animal foi abatido, ele vai para o varejo e precisa logo ser comercializado. Essa carne vence, é perecível", sublinha Lygia Pimentel.
"Se a gente conseguir retomar emprego e controlar inflação, e parece que já estamos nessa linha, o consumo per capita deve subir amparado pelo aumento da produção. Quem vai absorver essa produção majoritariamente é o consumidor interno, são aqueles 70% que talvez cheguem a 72% ou 74% da participação total”, completa.
Mesma perspectiva vê Iglesias, da Safras e Mercado. Em 2023, a tendência é de que haja uma maior oferta das três proteínas de origem animal mais consumidas: carne suína, bovina e frango. Em 2019, quando os preços no mercado interno descolaram e as exportações cresceram, o pecuarista “se viu animado a investir no rebanho”, diz Iglesias. “Ele começou a segurar matriz, começou a reduzir o abate de fêmeas, e isso está resultando em aumento de capacidade produtiva agora em 2022 e vai trazer impacto positivo em relação a oferta de animais de reposição em 2023. Por ter mais oferta de bezerros, a tendência é que os preços caiam. Com os preços mais baixos, o pecuarista que até então estava investindo no rebanho a a aumentar o abate de matrizes, e isso vai aumentar a oferta. Haverá mais fêmeas indo para o abate e como consequência disso nós vamos ver um volume maior de oferta de carne bovina”. É o tal do ciclo, se repetindo.
Em 2022, a inflação foi um problema crônico mundial, não apenas brasileiro. A alta dos combustíveis e das commodities agrícolas acabou onerando todas as cadeias produtivas. Antes de ser vista como vilã, a exportação de carne é, na realidade, uma aliada do país. “O Brasil nunca conseguiu uma receita tão grande em exportação de proteína animal como em 2022. Do ponto de vista das contas públicas, manter uma balança comercial superavitária é interessante. Colocar mais carne à mesa do brasileiro vai depender muito das políticas que a equipe econômica vai adotar para o próximo ano, a estratégia para conter a inflação, para criação de emprego, elevação da renda média. Tudo isso é importante para recuperar o poder de consumo que, infelizmente, foi perdido nesse ano de descontrole inflacionário”, conclui Iglesias.
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